sábado, 17 de agosto de 2013

Èze e Menton: duas pérolas da gastronomia francesa no Mediterrâneo

Vista da hotel Le Chèvre D’Or, em Èze. Foto: Bruno Agostini / O Globo

O repórter Bruno Agostini, de O Globo, publicou nesta quarta, (14 e atualizou ontem, 16), uma excelente reportagem sobre os restaurantes de Èze e Menton, na Riviera Francesa, que reproduzo e recomendo a leitura, segue a peça:


Boa mesa e vista privilegiada em Èze e Menton

Cidades da Riviera Francesa na fronteira com a Itália se destacam pela ótima gastronomia
NICE - Um jantar no restaurante La Chèvre d’Or, em Èze, é um longo e saboroso ritual, composto de várias etapas, e elementos: a vista para o Mar Mediterrâneo, o serviço cortês, a cozinha de alta classe e a carta de vinhos vasta e variada, conjunto que lhe confere duas merecidas estrelas Michelin, enchendo o salão noite sim, outra também. Reserve a mesa, de preferência, junto às grandes janelas que valorizam o cenário. O restante é com eles.

Quando cheguei ao bar, anunciando a minha reserva, o garçom perguntou se eu preferia começar com uma taça de champanhe, e uns petiscos, ali mesmo, nas mesas que ficam debruçadas sobre o mar. Isso não é sugestão que se recuse. Logo ele voltou, trazendo o sublime Taittinger Comtes de Champagne Rosé 2005 acompanhado de um delicado gaspacho de melancia, beterraba e maçã verde, e colherinhas com escabeche de cavala, além de azeitonas pretas e frutas secas, algumas apimentadas. O céu ainda estava claro, se azulando lindamente, quando subi ao salão do restaurante, e o couvert foi servido: um inédito, ao menos para mim, pão de limão siciliano, ao lado de grissini, sablé de parmesão, azeitonas pretas e tapenade, um prelúdio que me deu a certeza de que o jantar prometia.

Era só o começo. Escolhi um menu comemorativo dos 60 anos do hotel restaurante (€ 195), inaugurado em 1953. Com impecável harmonização de vinhos feita pelo sommelier Philippe Magne, há 24 anos na casa, os pratos foram servidos: tomatinho recheado de vitela e vegetais, com caldo do próprio cozimento da carne; tartare de atum com abacate, tomate e kiwi, com sablé de queijo, e sashimis do peixe coroados com caviar; camarões italianos, de San Remo, com vôngoles, favas, aspargos e pesto, e, finalmente, um clássico da casa, o prato mais emblemático do lugar, entre os mais famosos da Riviera Francesa, o cordeiro de leite, apresentado de duas maneiras, um carré impecavelmente grelhado, e um lombo, delicado e rosado, em crosta de ervas.

Depois da passagem de um carrinho de queijos daqueles memoráveis, e de um doce de limão que reproduz a aparência da fruta, as mignardises foram servidas com um armagnac 1933, sim, 1933... Duas décadas mais velho que o próprio hotel. Uma até vá lá, mas ninguém ostenta duas étoiles à toa

— Compramos em um leilão um lote de armagnacs antigos. Este 1933 virou um ícone de nossa carta de bebidas, e usamos também numa versão de foie gras. São um xodó — explicou-me, na manhã seguinte, Thierry Naidu, presidente do grupo Phoenix Hotels, que administra oito hotéis butique. — La Chèvre d’Or é nosso ícone — diz.

Para o almoço, há menus por a partir de € 75 (ou € 95, com harmonização de vinhos), com a mesma vista, o mesmo serviço e qualidade da comida, ainda que em preparações um pouco mais simples.

O hotel, que se espalha por boa parte da cidade, com alguns quartos que dão direto para a rua, como era o caso do meu, é uma razão e tanto para se visitar Èze, cidade dividida em três níveis que está entre as mais belas de toda a França. Há a cidadela medieval propriamente dita, com precioso casario de pedra; Èze-Bord-Mer, vila junto ao Mediterrâneo, e Col d’Èze, montanha acima.

— Hoje existem apenas seis famílias morando em Èze. Todas as construções viraram restaurantes, hotéis ou lojas. Há mais pintores que famílias, e são pelo menos dez artistas famosos morando aqui, produzindo e expondo os seus trabalhos — conta Thierry, casado com Federica Naidu, dona da galeria Incontri d’Art, vizinha ao hotel, uma das melhores, entre as tantas da cidade.

Apesar do mar de águas claras, e do charme praiano da porção mais baixa, é mesmo a vila de Èze o filé mignon do pedaço. Repleta de galerias de arte, cafés, lojinhas e restaurantes, tem um jardim com plantas exóticas com uma das melhores vistas possíveis do Mar Mediterrâneo. É um mirante com a vegetação estrangeira em primeiro plano, as construções antigas logo em seguida, as montanhas verdejantes à direita, e o mar imaculadamente azul, ao fundo.

Além de ser um lugar charmoso, pequeno, bom para se caminhar subindo e descendo suas ladeiras e escadarias, Èze é bem localizada para os que pretendem explorar a região sem precisar trocar de hotel. Não demoramos mais do que meia hora para chegarmos a Nice, Menton, Mônaco ou St-Paul-de-Vence, seguindo pela bela estrada panorâmica. Cannes, Mougins ou Antibes estão a menos de 45 minutos. Apesar do apelo dessas cidades nas redondezas, não é nada fácil sair de Èze.

Argentino conquista a França

Chegando ao restaurante Mirazur, em Menton, um tango moderno tocava baixinho na caixa de som. E quem me dá as boas-vindas, em bom português, é Julia Ramos Colagreco, carioca casada com o chef argentino Mauro Colagreco, que através de sua cozinha delicada, inventiva, original e de técnica impecável, conseguiu uma proeza: ser um dos cozinheiros de maior destaque no cenário gastronômico da França atualmente, admirado por gente como o mais importante — e temido — crítico do país, François Simon. Aos 36 anos, não chegou ao topo por acaso. Meu almoço na casa, que integra a associação Relais & Château, seguramente foi uma das melhores refeições de toda a vida. Além de tudo, a vista para o mar e o centro antigo de Menton é belíssima. O salão envidraçado valoriza esse patrimônio, e o serviço tem uma simpatia rara de se ver na França, incluindo garçons argentinos, desses que adoram o Brasil, e gostam de relatar as suas visitas ao país.

No Mirazur a gente se sente em casa como em poucos lugares na Europa. Sem falar na seleção de vinhos, de pequenos produtores, quase sempre biodinâmicos, naturais, escolhidos a dedo.

— Estamos a apenas 50 metros da Itália, que começa logo ali — diz Julia, apontando para o mato que ocupa as encostas vizinhas ao restaurante, dono de uma horta produtiva que abastece a cozinha com muitos produtos frescos cultivados ali mesmo.

Ainda impressionado com a vista, recebo o amuse bouche, com vários bocadinhos de apresentação impecável, entre eles uma anchova crua, fresquíssima, depositada sobre uma espécie de maionese caseira, cujo sabor até hoje está gravado na memória. Delicadeza é algo fundamental, e o pão da casa, quentinho, é servido com azeite aromatizado com limão (Menton é famosa por seus citrons) e uma folhinha com poema de Pablo Neruda (traduzido para o francês), “Ode ao pão”.

O primeiro ato foi uma espécie de canelone, cuja massa era uma lâmina finíssima de pera, que envolvia uma ostra crua, conjunto temperado por um creme de échalote, cebola ovalada e de sabor mais delicado. Logo depois, chegou uma saladinha das mais lindas e deliciosas que já pude provar, combinando vagens verdes e amarelas, flor de mostarda, cerejas frescas e cebola roxa, com um toque de limão siciliano e azeite. E que tal uma cumbuca de bottarga com batata, molho de café, abóbora, alcaparras e azeite, também temperado com café? Divino, ainda mais acompanhado de um copo do Domaine de Bellivière Les Rosiers, intenso e mineral. Valorizados pela louça que colabora para uma apresentação impecável de cada prato, não houve uma receita que destoasse.

O foie gras com daikon e consomê de pato perfumado com verbena estava sublime. O mesmo adjetivo pode ser usado para definir o charbonnier, um raro cogumelo colhido nas montanhas que envolvem Menton, servido com delicado creme de alho e flores de cebolinha francesa. Um filé de salmonete boiava sobre um caldo de cebolas, fumé de tamboril com sálvia e tripas de bacalhau fresco. O magret de pato, com molho de laranja em redução de cenoura, era acompanhado de mousseline de cenoura. Em vez de um prato de queijos, recebi uma lâmina cristalina e crocante de Munster, temperada com cominho e mel de acácia. Uma pouco doce combinação de ruibarbo com morangos, amoras e outras frutinhas frescas, além de sorbet de ervas selvagens foi o penúltimo passo. Encerrei com dois macarons, um de limão, outro de erva-mate, como se simbolizassem a união de Menton e Argentina.

O Mirazur é apenas a mais deliciosa razão para se ir até Menton, mas há muitas outras, a começar pela própria orla, com praia de piso pedregoso, repleta de bares, cafés, restaurantes e hotéis, além de um cassino movimentado. Entre os lugares mais interessantes da cidade para uma refeição praiana está o restaurante La Mandibule, raro endereço especializado na cozinha das Ilhas Reunião, com tempero indiano e pitadas tailandesas na cozinha francesa, resultando em receitas apimentadas. E vale, ainda, passar pelo centrinho antigo de Menton, com suas construções bem conservadas. Só não dá para não ir ao Mirazur.

SERVIÇO

ONDE FICAR

Château Eza: Hotel em forma de vila, com 12 quartos e suítes, quase todos com vistas para o Mar Mediterrâneo e as montanhas. Diárias a partir de € 360. Rue de la Pise, Èze. chateaueza.com

Hôtel Napoléon: Renovado em 2005. Diárias a partir de € 214. 29 Porte de France, Menton. napoleon-menton.com

ONDE COMER

La Chèvre d’Or: 5 Rue du Barri, Èze. Tel. (33) 4-9210-6666. chevredor.com

Mirazur: 30 Avenue Aristide Briand, Menton. Tel. (33) 4-9241-8686. mirazur.fr

La Mandibule: 1.014,Promenade du Soleil, Menton. Tel. (33) 4-9328-4195. lamandibule.com

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