quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Carta de Albert Camus enviada para Jean-Paul Sartre revela amizade antes de seu racha

Sartre e Camus se conheceram durante a ocupação alemã na França
















Eles eram filósofos que fumavam sem parar e cuja amizade azedou publicamente. Na verdade, quando um deles escreveu: "l'enfer, c'est les autres" (o inferno são os outros), era fácil imaginar que ele estava se referindo ao seu rival. Agora, uma carta antes desconhecida enviada de Albert Camus para Jean-Paul Sartre mostra que os dois homens eram amigos mais que queridos apenas alguns meses antes de eles se desentenderam.

Segundo o jornal inglês The Independent, acredita-se que a carta não datada, autenticada por especialistas, foi escrita na primavera de 1951. "(Ela) foi adquirida por um colecionador de autógrafos na década de 1970 e mantida em um quadro acima de sua lareira desde então", disse Nicolas Lieng da Le Pas Sage Bookstore, especializada em literatura dos séculos 19 e 20. "Ela foi vendida para um colecionador francês, que é dono de uma das coleções mais bonitas de Camus, há uma semana", acrescentou.

Abrindo com "meu querido Sartre", a longa carta assinada por Camus termina com "eu aperto sua mão". O ganhador do prêmio Nobel e autor de "O estrangeiro" inclui uma recomendação para que Sartre considere uma atriz chamada Aminda Valls para sua nova peça. Camus descreveu a atriz, que também era amiga da estrela de palco francesa Maria Casarès, como uma "espanhola republicana" e "maravilha da humanidade".

Na época, Sartre estava se preparando para levar aos palcos sua peça "O diabo e o bom deus", que estreou em 1951, no Théâtre Antoine, em Paris. Enquanto Casarés conseguiu o papel de Hilda, Valls acabou não fazendo parte da produção. Camus também deixa claro que ele escreveu a carta de seu apartamento na Rue Madame, onde viveu entre 1950 e 1954, em Paris.

Esta não é a primeira vez que uma correspondência entre as duas estrelas intelectuais de Paris foi descoberta recentemente. No ano passado, uma pequena nota escrita de Camus para Sartre em 1940 lançou alguma luz sobre uma das amizades mais infames do século 20. Os dois homens estavam intimamente ligados ao longo de suas carreiras.

Eles se conheceram durante a ocupação alemã na França e se tornaram famosos da noite pro dia quando Paris foi libertada. Ambos eram ensaístas, dramaturgos, críticos literários e de teatro, filósofos, jornalistas e editores-chefes.

Eles tinham a mesma editora. Ambos foram premiados com o Nobel de literatura. Camus aceitou o prêmio em 1957, enquanto Sartre recusou a designação sete anos mais tarde, embora tenha ressaltado que não se sentiu insultado "porque Camus havia recebido antes de mim". No entanto, a dupla se distanciou no meio da Guerra Fria e começou a discordar sobre filosofia e política.

Apenas alguns meses depois da carta, Camus publicaria "O homem revoltado", que foi duramente criticado por Sartre. Isso causou uma amarga entre eles e um desentendimento público.

Sartre escreveu em uma carta aberta: "Caro Camus, nossa amizade não foi fácil, mas vou perdê-la", e acusou seu ex-amigo de "incompetência filosófica". Ele também destruiu quase toda a correspondência trocada entre os dois. O racha, no verão de 1952, dividiu filosoficamente intelectuais parisienses.

Os dois intelectuais nunca mais se falaram novamente, apesar de continuarem a discordar publicamente, através de códigos, até a morte de Camus em 1960.

Quinze anos mais tarde, Sartre com então 70 anos, perguntado sobre sua relação com Camus em uma entrevista para a "Les Temps Modernes", disse: Camus era "provavelmente o meu último bom amigo".

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